3.1.09

Havana



Abriu a caixa de madeira envernizada e tirou um cortador de charutos de dentro. Ficou brincando com o objeto de aço inox nas mãos alguns instantes. Deu uma olhada mais demorada dentro da caixa. Toda uma vida estava resumida ali. Além do cortador, duas fotos polaroid esmaecidas com o tempo, um anel de platina com uma pedra azul, um passaporte vencido e um tubo brilhante. Após meses teve curiosidade de ver o que havia ali dentro. Desenroscou a tampa e descobriu um charuto. Um havana legítimo. Nos dois anos em que eles passaram juntos ela havia aprendido algumas coisas sobre aqueles cilindros de odor inconfundível que ele adorava. Passou o charuto pelo nariz, aspirando sua fragrância. Era bom. E logo ela que sempre implicara com o hábito dele de fumar um "puro", como ele os chamava, aos sábados, sentado na varanda da casa, olhando as pessoas passarem na rua. Lembrou-se da figura dele. Engraçado em suas calças de linho bege e sandálias de couro, as pernas cruzadas sobre um banquinho e as baforadas que pareciam guardá-lo numa nuvem de neblina. No início achava estranho ele ficar ali, fumando, sem dizer uma única palavra, num mundo particular em que ela sempre fora rechaçada. Em atitudes grosseiras que não condiziam com o companheiro carinhoso dos outros momentos.
Quando deu por si estava sentada na mesma cadeira que ele, dando uma tragada no charuto, após ter repetido mecanicamente todos os passos que o vira fazer durante aqueles anos. Deu um sorrisinho cúmplice para si mesmo quando cruzou as pernas sobre o banquinho e a fumaça azulada do charuto envolveu-a.
Realmente, aquilo era a melhor forma de preservar a memória de quem nunca mais apreciaria um daqueles 'puros'.

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