22.1.09

A Fada e o besouro - Parte VI

- Muito bom... mas um sério risco de pneumonia, não é?
- E alguém liga pra isso quando se tem vinte e poucos anos? Naquele carnaval eu não o vi mais... ficamos um tempo separados, ele foi trabalhar em Recife, Salvador, algo do gênero, e ficou uns bons dois meses por lá. Voltou com umas tranças horrorosas e músicas para todo um disco novo debaixo do braço. Acho que foi o disco dele que eu mais gostei. Ele esteve em minha casa, ms não ficou muito, eu estava morando com alguém, alguém que tinha um ciúme doentio dele. Acho que sentia que havia uma conexão entre nós. Só não sabia se carnal ou apenas intelectual. Ele veio, mostrou as músicas e saiu com dois poemas que eu havia escrito. Os copiou à mão, meteu no bolso da camisa e saiu porta afora rindo feito doido. Um mês depois, sem notícias dele, recebo em casa um quadro que um amigo dele, pintor havia feito, com base nos poemas que eu havia escrito. Ele era hilário, me fazia essas surpresas, como quem dizia, "estou longe, mas continuo por perto". O relacionamento em que eu estava não durou muito. Muito ciúme, muito controle. Não gosto disso... a gente enjoa quando tem essa cobrança. Não gosto, nunca gostei, acabo cansando. Tenho de ter meu espaço, senão eu enlouqueço. Gosto de ficar sozinha às vezes, com minhas canetas, meus papéis, máquina fotográfica e músicas. E pessoas que tentam me tolher eu podo de meus dias.
Ela deixou a janela e andou até uma escrivaninha a um canto. A madeira escura denotava a antigüidade do móvel. Sobre o tampo, um computador portátil. Um pode de cerâmica com canetas e lápis. Uma resma de papel de diversas cores dentro de uma caixa de plástico azul. Ela abriu uma das gavetas e tirou um maço de cartas, amarradas com um laço de cetim azul.
- Eu recebo muitas cartas, sabia? Não apenas emails, mas cartas também. Consegui incutir na cabeça de alguns de meus leitores o prazer de escrever cartas. O prazer de esperar pelas notícias dos outros, a alegria de reconhecer a letra do lado de fora do envelope. A magia das letras desenhadas no papel. Ele me mandou só uma, uma das primeiras, que acabei queimando um tempo atrás.
- Queimou a carta de teu amigo? Ele deve ter aprontado uma daquelas com a senhora, não?

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