27.9.09

Sonho de você

hoje eu acordei
com vontade de você
com saudade do teu cheiro
querendo muito te ver

hoje eu acordei
com a lembrança do teu gosto
a imagem do teu corpo
sua pele em meu rosto

porque você está tão longe
do meu calor, do meu carinho
porque é tão díficil
sem você, ficar sozinho

hoje eu acordei
querendo de viajar
andar mais de mil léguas
e poder te abraçar

hoje eu acordei
de um sonho tão real
estava do teu lado
em nosso mundo ideal

24.9.09

Sábado à noite

E, naqueles tempos de dureza, só nos restava o romantismo de bermudas e chinelos. Regado a vinho barato e músicas no violão, ali mesmo na pracinha em frente ao prédio. Juntávamos os trocados, íamos ao mercado e trazíamos uma garrafa ou duas do que estivesse na promoção. Normalmente, era um vinho que deixava as línguas roxas e nos dava uma ressaca desmoralizante.

Mas eram sábados em que precisávamos sair de casa, nem que fosse só até à pracinha, onde sempre passavam algumas meninas. A esperança de que alguma delas viesse até nossa rodinha e pedisse uma música é que nos movia. Éramos quase todos estudantes, vindos cada um de um canto, morando na mesma pensão. Um sobrado caquético e embolorado. Mas a comida era boa e o preço, acessível, e íamos ficando ali.

Eram uns quinze sujeitos morando na pensão, mas nosso grupo tinha apenas quatro integrantes. Eu, que estudava e trabalhava com contabilidade, o Zé Eduardo, que fazia enfermagem e dava plantão às sextas no posto de saúde do bairro, Bigode, balconista de uma loja de tecidos e que terminava o segundo grau à noite e o César, que fazia supletivo e mandava quase todo o dinheiro que ganhava na loja de tintas para a mãe, no interior de Minas.

A gente mal se falava de segunda a sexta, mas como dividíamos o mesmo quarto, acabamos amigos e sempre andávamos juntos nos fins de semana. O César tinha um violão, e nos sábados à noite íamos para a pracinha e ficávamos bebendo, tocando violão e esperando que alguma menina viesse pedir alguma música pra nós.

Nem lembro mais por quanto tempo cumprimos esse ritual dos sábados. Aí um dia, uma menina veio falar conosco. Ela pediu uma música que o Bigode sabia, acho que era uma do Zé Ramalho. Ele tocou e ela ficou ali, olhando, debruçada num dos bancos da praça. Ele tocou mais uma e mais outra, e ela ali, até aceitou o vinho que oferecemos. Ela se levantou, jogou um beijo pro Bigode e outro pra nós todos e saiu, rebolando.

No sábado seguinte, ela veio com mais uma amiga e elas ficaram ali quase a noite toda. Cantaram junto e pediram músicas. Beberam e riram com a gente. Eu acabei voltando mais cedo para a pensão e deixei os três com as meninas na praça. Tinha de visitar uma tia em Nova Iguaçu e precisava acordar cedo. Acordei cinco da manhã e nenhum de meus camaradas estava no quarto. Fiquei feliz por achar que finalmente as coisas estavam começando a dar certo para eles. Me vesti e fui para o ponto de ônibus. A praça estava vazia, meus amigos aparentemente estavam se dando bem. Entrei no ônibus e dormi logo, para aliviar os efeitos do vinho da véspera.

Cheguei quase dez da noite, correndo para não perder a Garota do Fantástico e os gols do domingo. Mas nem vi nada. Fiquei sabendo que o Bigode tinha perdido a cabeça e brigado com a menina quando ela não quis nada com ele. O Zé e o César tiveram de segurá-lo, mas mesmo assim ele deu um soco na pobre e quebrou dois dentes dela. O irmão da menina apareceu e deu três facadas no César, que não tinha nada a ver com nada, ainda bem que o Zé socorreu ele a tempo. O Bigode quebrou o violão na cabeça do irmão da moça pra poder fugir e ninguém soube dele.

Não soube mais ou menos. Uma semana depois recebi uma carta dele, pedindo pra catar as coisas dele e encaixotar. Ele tinha pouca coisa, coube tudo numa bolsa e numa caixa de papelão. encontrei com ele longe da pensão. Ele tinha saído do emprego também, com medo do cara ou a polícia irem procurar por ele lá. Já tinha conseguido serviço como ajudante de motorista de caminhão e tava indo para Aracaju no dia seguinte. Só queria mesmo pegar as tralhas e mandar um trocado pra dona da pensão, pra fechar o mês e não sair devendo.

Ele perguntou dos outros dois. Quando eu disse que todo mundo já estava bem, me deu um abraço e saiu, sem falar mais nada. Nunca mais soube dele. O César nem voltou para a pensão do hospital, voltou direto para Minas. O Zé Eduardo também não ficou muito mais tempo ali. Conseguiu vaga numa pensão mais perto da faculdade e passou a trabalhar num hospital da prefeitura. Eu ainda fiquei até o final do ano, quando terminei a faculdade e consegui uma promoção no escritório. Aluguei uma quitinete no centro e também não voltei mais na pensão.

Essa semana eu estava no pronto socorro do hospital, pegando uns exames da minha sogra e vi o Zé passando, dar plantão ali. Ele não me reconheceu, estou mudado, bem mudado, mas ele continua o mesmo. Tive vontade de ir falar com ele, mas desisti, se dói em mim que não vi nada, imagina pra ele, que teve de acudir o César? Deixei ele passar, peguei os exames, entrei no carro e fui embora. Tem hora que é bom esquecer das coisas.

17.9.09

Coração confiante

Esse meu coração bobo
sempre tão mau conselheiro
que se compra com sorrisos
sempre confiando no alheio

Meu coração tão pobrezinho
que se mete em cada uma
sempre em busca de alguém
sempre em busca de carinho

Coracão, será que um dia
você ainda vai aprender
que uns nascem pra sorrir
que ninguém quer sofrer

Coração, meu bom amigo
não espere pelos outros
não seja cruel comigo
me deixe um pouco solto


O que será que vai render dessas letras?

14.9.09

A Festa - Parte XXII - Final


- Você que atirou nela, Ana, você! Você e toda essa sua loucura! Me entrega a arma, vamos chamar uma ambulância, tem um corpo de bombeiros aqui perto, daqui a pouco eles estão aqui, ela tá viva, ouviu o Zeca? Se nada acontecer com ela a gente diz que foi só um acidente e tudo contiuna bem, me entrega a arma aqui, vai?
Ana recuava até a porta. Ao lado da porta estava pendurada uma mochila, ela pegou-a e pendurou-a em um dos ombros, ainda com a arma apontada para Gabriel. Com a mão livre ela destrancou a porta - Não, Bel, eu não vou entregar a arma porra nenhuma, tá sabendo, eu vou embora, aí sim, vocês ligam e pedem ajuda, tomara que dê tempo. E é mentira que vocês vão dizer que foi um acidente, vão é dizer que atirei nela de propósito... eu vou fugir, ninguém vai me achar, tá me ouvindo, ninguém! E isso aqui é pra você, seu filho da puta! - Ela disparou novamente, agora conta Gabriel, que caiu para trás com a força do impacto, enquanto ela fugia, trancando a porta por fora.
Vendo os dois caídos, Zeca ligou para a polícia e para o corpo de bombeiros, a voz trêmula pedindo socorro. Nem bem havia terminado a ligação e Gabriel começava a levantar-se, uma das mãos segurando o ombro encharcado de sangue...
- Caramba... ahhh.... isso dói, parece que meu ombro tá pegando fogo - ele arrastou-se até Clara - Clara, por favor, té me ouvindo? Onde tá o Edu, por favor. A moça entreabriu os olhos, deu um sorriso débil e apontou para o baú, onde estavam apoiadas as comidas e bebidas. Gabriel levantou-se e com uma mão só puxou a toalha derrubando tudo no chão. Mel e Dani acudiram Clara enquanto Zeca e Bruno correram para ajudá-lo a levantar a tampa do móvel. Dentro, inconsciente, amarrado e com um pedaço de silvertape cobrindo a boca, Edu. Um enorme hematoma na têmpora direita justificava o sono profundo em que o rapaz se encontrava. A campainha tocou com a chegada do corpo de bombeiros e Gabriel aumentou o time dos desacordados, desabando no chão.

XXXXXX

Gabriel abriu os olhos, o teto branco era estranho a ele. Ainda com a vista turva viu o pai e Melissa de um lado da cama. Do outro, Zeca e Dani.
- O que aconteceu? Fiquei quanto tempo dormindo? Como estão todos? E a Clara?
- Cê dormiu quase um dia e meio - A voz de Zeca parecia vir de muito longe - mas agora tá tudo bem, a bala só pegou de raspão no teu ombro, a merda é que tu perdeu muito sangue. Tá todo mundo bem, meio assustado ainda. Todo mundo teve de ir na delegacia prestar depoimento... por sorte eu consegui jogar os flagrante tudo na privada antes dos caras chegarem...
Melissa interrompeu o rapaz - Péra, Zeca, não é isso que ele quer saber. Bel, tá tudo entrando nos eixos. Clarinha está bem, perdeu muito sangue também, os médicos disseram que ela também teve um colapso nervoso, mas que tá se recuperando bem e que vai ficar tudo beleza. O Edu está bem também. Depois a Clara contou que elas iriam deixar um bilhete pra alguém ir lá tirar ele do baú. A pancada que a Ana deu nele fez uma, uma... como é que é, seu Valdir?
- Concussão, minha filha, concussão...
- Isso, uma concussão, mas que não foi nada sério. Ele resolveu dar queixa só da Ana, ele viu que a Clara era só um joguete nas mãos daquela maluca.
A voz de Gabriel saiu tremida - E ela?
- Ahhh, Bel, ninguém sabe dela. Ela sumiu no mundo. Quando a polícia conseguiu correr atrás dela, ela já tava longe. O Zeca recebeu um telefonema dela, dizendo que a gente nunca mais a veria. A polícia conseguiu rastrear a ligação, era numa rodoviária do interior, quando ligaram pra polícia de lá, nem acharam ela, uma testemunha disse que a viu embarcando num ônibus para Belo Horizonte, mas ninguém sabe onde ela pode ter saltado. A Clara comentou que ela tinha raspado as contas dela antes de viajar. Acho que ela sumiu no mundo de vez... pelo menos a gente pode ficar tranqüilo, acho que ela não voltar nunca mais.
- É... assim espero... gente... é tão bom ver vocês, mas... será que eu posso descansar mais um pouco, ainda tou com muito sono...
Valdir acariciou os cabelos do filho - Sim, Bel... qualquer coisa, eu tou ali na poltrona... só me chamar... o pessoal vai dar um pulo em casa pra descansar um pouco... mas eu vou ficar aqui.
- Obrigado, pai... obrigado pessoal... amanhã continuamos.... E fechou os olhos para sonhar acordado... não sabia porque, mas sentia uma vontade imensa de jogar tudo para o alto e viajar para a Bolívia...

7.9.09

Festa - Parte XXI


Ana deu um passo para trás, desarmada com a reação da amiga. Ela nunca havia levantado a voz pra ninguém, como é que se atrevia a gritar com ela agora?
- Como é que é? Agora eu sou louca? - Ana parou de apontar a arma para Gabriel e se voltou para Clara - Agora eu sou louca, não é? Muito bem! Quem é que adorava minhas idéias? Quem é que me apoiava em tudo que eu propunha? Quem concordava comigo enquanto gemia pra mim na cama? Eu que sou louca? Você que é uma louca! Você que não sabe o que quer! Adorava o Edu, achava ele o máximo, dizia que ele te fazia feliz, aí, de uma hora pra outra, vem chorando pro meu lado, pedindo ajuda, pedindo arrego.. quem é que enxugou seu choro? Quem te ensinou a sorrir de novo? Quem é que fez você voltar a sentir prazer, tesão, gosto pela vida? E agora você me chama de louca? Você que é louca, que não soube aproveitar o mundo que eu podia oferecer pra você!
O choro de Clara parecia ter secado, ela estava de pé, encarando Ana, sem ligar para a arma que a outra, possessa, havia momentaneamente baixado.
- Sim, você é louca! Completamente louca! Doida! Desequilibrada! - O dedo em riste de Clara intimidava Ana - Eu posso ser uma boba, uma fraca, posso até ser louca, mas louca de ter me envolvido com alguém como você! Você é louca, você é má! Você é um monstro Ana! Um monstro! Um monstro!
A mão com o revólver atingiu o rosto de Clara com violência, calando-a. A garota caiu no chão, um filete de sangue brotando do canto da boca. Ana aproximou-se da garota caída, segurando-a pelos cabelos com a mão livre.
- Calaboca! Fica quieta! Você não entende nada, você nunca entendeu nada! Tudo o que eu fiz foi por você. Por você! Pra ver se você se animava, se você vivia de verdade! Você não entende! Você merecia mesmo um pulha como o Edu!
- Não fala nele! Ele não presta, mas é melhor que você! E você fez com que ele não possa mais ser meu!
- Ele nunca foi seu, ele só estava com você porque é gostosinha! Mas é só aparecer uma melhor que você que ele te larga, ele teve o que mereceu, Clarinha, ele mereceu.
Gabriel entrou na conversa - O que vocês fizeram com ele, não me digam que...
- Acha que a gente fez o que com aquele canalha, Bel? Acha que matamos ele? Ou que mutilamos? O que acha que fizemos?
Gabriel havia recuperado a calma, e foi aproximando-se de Ana - Não sei... e tenho até medo de imaginar o que vocês fizeram.
Ana aproximou-se dele, balançando a arma, ameaçadoramente - Então quer dizer q o senhor tem medinho, não é? Tá com medo de mim, é? Acho que você tem é muito medo de mim, e nem é porque tou com o revólver na mão, sabia? - Ela começou a passar a arma pelo rosto de Gabriel, que controlou-se e não desgrudou seus olhos dos dela - Se fazendo de fortinho, não é? Hummm... mas deve estar se borrando de medo...SEU MERDA!!!
Desligada provocando Gabriel, Ana não viu Clara levantar-se e se jogar sobre ela, uma das mãos segurando seus cabelos e outra, a arma. as duas caíram emboladas, lutando pelo revólver. Gabriel e Zeca correram, tentavam separar as duas e arrancar a arma da mão de Ana quando um estampido soou. Os dois rapazes puseram-se de pé, assustados, as duas moças ainda abraçadas.
O tiro parecia ainda ecoar pela sala quando Clara levantou-se, a boca entreaberta, ainda com o fio de sangue no canto dos lábios. Atônitos, os amigos esperavam para ver quem tinha sido atingido. A garota ficou de joelhos e, subitamente, caiu para o lado. Uma poça de sangue escorrendo debaixo dela por sobre o piso. Ainda com o revólver na mão, Ana arrastou-se para perto da amiga, gritando, assustada com o que fizera - Sua doida! Olha o que você fez, me perdoa, Clara, me perdoa! - Ela abraçou a moça, chorando, beijando-lhe o rosto, suas lágrimas se misturando com o choro da outra.
Gabriel tentou aproveitar-se da comoção da garota e tentou tirar-lhe o revólver da mão. Ana deu um pulo para trás e voltou a apontar a arma para o rapaz - Viu? Isso é culpa tua, seu merda... se você não fosse tão curioso nada disso teria acontecido e a Clarinha ainda estaria conosco. Você matou a Clara, você matou a Clara!!!
Zeca debruçara-se sobre a moça caída, tentando ouvir-lhe a respiração - Gente, ela tá viva, ainda tá respirando, tá fraquinho, mas ela ainda tá viva! Chama ajuda, gente! Chama ajuda!