21.7.09

A Festa - Parte XIX


- Depende de quem apanha... dependendo, posso não querer parar de bater... e eu bato pesado... você fez judô, eu fiz boxe tailandês, vai encarar?
A voz de Gabriel saiu sibilante - Sabe que eu não tenho medo de encarar nada, não é? - baixou mais ainda o tom - Até te conto, pra te deixar beeem com vontade, eu tava de folga hoje de tarde, se eu soubesse que estaria tão feliz, tinha aparecido aqui mais cedo, pra te ajudar a arrumar a casa e a desarrumar o que quisesse... tava sozinha com Clarinha?
- Não... tínhamos companhia...
- E a companhia deu conta do recado.. digamos que começou bem, mas... - Gabriel cortou-a abruptamente, jogando no ar a isca:
- Terminou mal, não foi? Quem refugou, o visitante ou você?
- E eu sou mulher de refugar , Bel? Ela estava bem próxima dele novamente, os colegas pareciam hipnotizados pelos dois, ninguém esboçava reação, meros espectadores do conflito do casal. A única exceção era Clara, que da janela, chorava em silêncio, despercebida dos outros.
- Acho que não, mas acho que você seria capaz de ultrapassar limites. Ainda mais se houvesse alguma vontade de ultrapassar esses limites.
- Você é bem espertinho, Bel... Seria bom se tivesse sido você aqui de tarde... poderia ter sido bem mais divertido... não seria igual, mas seria divertido...
Gabriel resolveu arriscar - Porque? Foi o Edu que não deu conta do recado?
- Pára!!!! Pára com isso! Pelamordedeus, pára com isso, Ana, por favor! Pára!!!! - Clara havia caído de joelhos no canto da sala, o rosto escondido nas mãos, num choro convulsivo. Gabriel segurou Ana pelo pulso, impedindo-a de socorrer a menina.
- O que que tá acontecendo aqui???
O choro de Clara despertou os outros jovens do estado de torpor em que estavam. Mel, Dani e Bruno acudiram Clara, enquanto Zeca correu até Gabriel e Ana, fazendo o rapaz soltar a moça. - Tá maluco, Bel, que que cê tá fazendo? Solta a Ana... ela vai dizer que não é nada, deve ser nervosismo da Clarinha, não é, Ana, Ana, que que é isso!!!
A garota correu até um móvel e tirou de uma gaveta a arma que ela e Clara haviam comprado, agora apontava-a para Gabriel.
- Bel, você é muito inteligente, mas é muito burro... podia ter a mim e à Clara... sempre que quisesse... precisava ser tão curioso assim, porra?

llustrator

13.7.09

A Festa - Parte XVII

O silêncio quando chegaram á sala era opressor. Enquanto Ana e Clara olhavam-se de soslaio, Gabriel estava extremamente calmo. Calado, ele foi até o isopor onde estavam as cervejas e tirou uma. O barulho do lacre sendo rompido soou como um estampido na sala, de tão quietos estavam eles. O rapaz levou a bebida aos lábios, tomando um grande gole. Quando terminou, contemplou os amigos, Melissa, Zeca, Bruno e Dani estavam sentados no sofá, com cara de quem não estava entendendo nada, em parte porque estavam bêbados, em parte porque realmente nada entendiam. Clara estava olhando pela janela, nem notando que a vista era dos fundos do prédio ao lado. Ana cortava um sanduíche na mesa, mas ele tinha certeza de que ela gostaria de estar cortando outra coisa. A menina estava se mostrando completamente descontrolada. Algo o alertava para saber como lidar com ela. Alguma coisa ela estava escondendo, Clara estava envolvida, o descontrole dela era mais que uma prova. Era algo envolvendo Edu, o namorado da menina, um sujeito revoltante, que merecia uma lição... só que... o que elas haviam feito com ele? Isso ele não sabia, mas sabia que algo tinha acontecido entre os três. Deu mais um gole na cerveja, pra tomar coragem e resolveu enfrentar as feras, estava começando a ficar tão divertido quanto perigoso provocar Ana.
- Aninha... posso ficar com a outra metade desse sanduíche? Acho que não vai se importar de dividi-lo comigo, não é? - Ela estendeu o pão recheado para ele, sem palavra, os olhos duros, ainda sem saber o que o rapaz estava tramando - que bom... hummm, azeitonas... adoro, sabia? Que bom que você dividiu comigo, acho que era o último... bom que sabe dividir as coisas... eu gosto disso... também sou bom em dividir... não ligo de repartir o que como, não é, Mel? Ele estava andando em círculos pela sala, magnetizando o olhar dos colegas, o sanduíche numa mão, a lata de cerveja na outra, olhando para o alto, como se divagasse - Eu não me importo de dividir... não sou apegado... gosto de gente que não se apega... você não parece ser muito apegada, Aninha, tou certo? Acho você capaz de dividir... desde que seja algo de sua iniciativa, estou certo?
- Onde cê tá querendo chegar, Bel?
- Lugar nenhum, lugar nenhum... só estou curioso de como reagiria se alguém viesse te pedir para dividir algo que você julga de tua inteira propriedade... mesmo que não seja?
- Mas hein? Como assim? Não tou entendendo nada... Tá ficando maluco?
- Acho que sim, estou divagando... mas, sabe como é, né? Pergunta pra Mel, eu fico assim, meio filosófico, sem falar coisa com coisa quando eu bebo... eu bebo e sou capaz de cada coisa... acho que até de brigar ou machucar alguém... - deixou a frase soando só pra confirmar, Clara se voltou num pulo, cravando nele os olhos marejados de lágrimas. Ficou com pena da menina e completou - nem que seja falando coisas sem pensar... isso machuca também, né?
Ana retomou a postura de dona da casa e veio até ele - Você se magoa com palavras?
- Normalmente não... ás vezes nem pancadas me machucam... principalmente se a pessoa souber bater... aí, nem tem problema... já fiz judô, suporto bem a dor...
- Interessante isso... vai que eu gosto de bater...
Ana aproveitava o torpor de Mel para cantar o namorado dela descaradamente, era isso que Gabriel queria, autoconfiança era inebriante, capaz de derrubar o mais forte... isso seria a ruína da menina. Agora ele iria ficar sabendo o que tinha acontecido. Soltou a frase num sussurro, o mais próximo que pôde da menina:
- E o quanto você seria capaz de bater pra se satisfazer?

lllustrator

9.7.09

A Festa - Parte XVII

Zeca foi o primeiro a abrir a boca - Gente, que que tá acontecendo aqui, cês tão gritando, que que houve?
Ana refez-se e soltou Clara - Nada não, Zeca, a Clara que teve um acesso de nervosismo aqui... acho que ela viu uma barata - ao mesmo tempo que falava, o olhar fuzilava Gabriel, esperando a reação do outro, a voz sibilava feito uma cobra, pronta para o bote, caso o rapaz a desmentisse, mas a voz dele veio surpreendentemente calma.
- É, eu acho que ela se assustou com alguma coisa... até porque, até então, tava todo mundo rindo e brincando - deu dois passos e enlaçou a namorada - A Ana tava me contando os planos dela pra viagem, né? Tem hora que até dá vontade de ir junto de tão animada que ela tá, não é, Ana? - Melissa assentiu e ele continuou - Eu até gostaria, mas tenho um pouco de receio de uma viagem assim, no susto, acho que podem acontecer coisas, sabe?
- Deixa de ser agourento, Bel, o que é que pode acontecer? Era Dani, entrando na conversa. A cozinha começava a ficar claustrofóbica, principalmente pra Ana, Gabriel e Clara.
Gabriel deu um suspiro, soltou Melissa e deu alguns passos até a outra ponta do cômodo, como que se quisesse se afastar. ele sentia o olhar de Ana cravado em suas costas, como um punhal, e algo lhe dizia que ele não devia contrariá-la, não agora - Acho que estou sendo só medroso, Dani... Por que não vamos pra sala? Lá é menos quente e apertado que aqui - de propósito deixou-se ficar por último, e quando Ana passou por ele, acariciou-lhe o quadril, como que dando a ela a certeza de que estava a seu lado, feliz por ela não estar vendo seus olhos ou seu sorriso.

Illustrator

6.7.09

A Festa - Parte XVI


Gabriel sentiu um arrepio com o olhar de Ana, mas manteve a calma e se aproximou de Clara, que estava completamente perdida entre os dois - Clarinha, e você? O que acha da idéia? Está pra viúva negra, que espera o final da transa pra se livrar do macho ou pra louva-a-deus, que o devora enquanto trepa?
Clara não respondeu, mas a palidez denunciava que algo estava errado ali, Ana veio em socorro da amiga - Nenhum dos dois... acho que a Clarinha está mais para... deixa eu ver... a concubina do harém.. já se imaginou como sultão, Bel?
- Não sei se tenho vocação pra tanto... apesar da idéia ser muito tentadora... você ia ser a rainha do sultão? Ia ser a rainha louca? Que mandou o sultão pra guilhotina num acesso de loucura?
- Depende do sultão, Bel... até agora só tive eunucos na minha mão, poucos mereceram uma segunda chance, a terceira, até hoje nenhum teve...
Gabriel continuou no jogo de Ana, acariciando o ombro da moça - Acho que vou ser a exceção... você precisa de alguém pra te pôr um freio... se continuar assim, você, ou melhor, vocês vão acabar magoando alguém... ou então... machucando... se é que já não machucaram...
Deixou propositalmente a última palavra soando para a ver qual a reação das duas, como imaginava, Ana não moveu um músculo, mas Clara se traiu - A gente não queria machucar ninguém! - ela apertou o braço do rapaz, os olhos marejados de lágrimas - Juro que a gente não queria...
- Calaboca, porra! - Ana puxou Clara pelo braço - fica quieta, caralho! - o olhar dela agora fuzilava Gabriel, que cruzara os braços e encostara-se na pia. Os gritos das duas atraíram a atenção dos outros jovens, que agora chegavam na cozinha...


lllustrator