26.2.09

A Festa - Parte III

- Já arrumou suas malas?
- Hum-hum...
- Pegou o passaporte?
- Hum-hum...
- Disse em casa que vai pra Espanha comigo?
- Hum-hum...
- Chateada comigo?
- Tou não... tou apenas preocupada - A menina se virou, olhando para a amiga. - ele deve chegar a qualquer momento, né?
- Sim... já são quatro horas, mas ele sempre se atrasa.
- Duvido que ele se atrase hoje, ainda mais por conta do que prometemos a ele.
- Emoções fortes, que ele nunca vai se esquecer, proporcionadas por nós duas? - a gargalhada chegou a assustar Clara, ainda mais quando a amiga se apoiou nos cotovelos e aproximou o rosto do dela, com um olhar maníaco. - Ele vai ter emoções fortes, querida, as que ele está esperando, e outras que só eu e você sabemos que ele vai experimentar!
O ruído da campainha chamou a atenção das duas. Ainda com a expressão alterada, Ana se virou para Clara - Arruma a cama enquanto vou abrir a porta pra ele, deixa o revólver na gaveta da cabeceira... quero começar a brincadeira sozinha... só venha pra sala quando seu namorado começar a gemer...

Foto: sxc.hu + Photoshop

23.2.09

A Festa - Parte II



- Pegou a encomenda?
- Peguei sim, tem certeza de que quer continuar com isso?
- Óbvio, ou você acha que tirei isso da minha cabeça por nada? Claro que quero!
A mocinha abriu o moletom rosa e tirou o pacote, depositando-o sobre a mesa de centro. A amiga, excitada, pegou o embrulho e ficou com ele nas mãos, sem abri-lo.
- Chegou a ver como é?
- Não... queria ver junto com você...
A garota com o pacote na mão começou a desamarrar o barbante, depois de desenrolar três voltas de papel pardo, um brilhante revólver de cano curto veio à luz da sala. Ela empunhou-o, sentindo o peso, a ergonomia da empunhadura.
- Bum! Bum! - com uma gargalhada, imitou o barulho de tiro, apontando a arma para um retrato na estante. - Deve ser excitante demais atirar em alguém, não é? Quando eu era criança eu bem matei uma lagartixa com a espingarda de chumbinho de um primo, sabia? Tive de deixar aquele nojento me beijar pra ele deixar eu brincar com a espingarda. E ele ainda brigou comigo quando eu matei o bicho!
- Abaixa isso! Daqui a pouco você acaba atirando de verdade.
A moça se levantou, colocando o revólver no cós do short jeans. O contato da pele com o metal fez um arrepio gostoso percorrer sua espinha. Fazendo pose de bandido, com uma das mãos apoiada na coronha da arma, ela segurou a amiga pelo queixo.
- Estou armada, gatinha, vai fazer o que eu mandar, senão te furo todinha, tá ligada?
Illustrator

18.2.09

A Festa - Parte I


- Bom, acho que você já sabe pra que isso serve, não é?
A mocinha sopesou o pacote na mão esquerda. O papel pardo enrolado com barbante era áspero. O homem à sua frente era baixinho e carrancudo, o bigode de pontas reviradas dava-lhe uma aparência cômica, mas ele não sorria, falando como se as palavras não quisessem sair de sua boca.
- Hum-huuum... Está carregada, não está?
- Está, mas não coloquei munição reserva. Até porque espero que não precise usá-la.
Ela colocou a arma dentro do bolso do casaco de moletom cor-de-rosa e se despediu. Também gostaria de não precisar usar o revólver, mas, de qualquer forma, atirar também poderia ser uma alternativa excitante.


Conto baseado no filme Festim Diabólico - Illustrator e Photoshop

15.2.09

A Fada e o besouro - Parte X

Ele se ajeitou na cadeira, quase que defensivamente e resolveu fazer a pergunta que o corroía por dentro desde que entrara naquela casa perfumada de jasmim e reminiscências.
- Mas... a senhora é considerada uma ativista, uma defensora de direitos, como é que vê...
Ela interrompeu-o, abruptamente, mas com doçura.
- Eu nunca pedi rótulos, querido. Uma vez me viram "casada" - ela mudou de tom ao citar o estado civil - e me rotularam. "Ela é isso!", aí escrevi um livro com algumas poesias de cunho erótico. Depois um romance cuja sexualidade da personagem principal era dúbio; Pronto! Os jornais estavam precisando daquilo naquele momento, alguém que levantasse uma bandeira. Com o perdão do trocadilho, me colocaram a contragosto um mastro na mão, e me fizeram desfraldar aquele pendão sem pedir minha opinião. Óbvio que me deslumbrei. Uma escritora jovem, de belas pernas, sendo entrevistada, os livros começando a vender muito por conta dessa exposição... achei que, para o bem de minha carreira não valeria a pena desmentir. Na época, esse amigo se divertiu muito com o fato, ele comentava, citando Fernando Pessoa: "Todo mundo achando que você é uma pessoa, e você aqui, comigo! Você é mais fingidora que o poeta!" - O fato de eu preferir algo não me faz ser uma ativista dessa causa. Por acaso você anda por aí com uma camiseta escrita "Eu gosto de brócolis e odeio alface"? Eu não! Eu não pedi para ser um "ícone", um referencial. Mas quiseram que eu fosse, no início foi divertido, depois até me chateei, só me perguntavam isso. Acabei ganhando fama de rabugenta uma época, depois tudo se acalmou. Existem as pessoas radicais, e se eu não fosse uma senhorinha, acho que elas me crucificariam ao saber do que te contei hoje. Vai escrever isso? Nada como uma pequena polêmica para tentar dar um pouco de emoção a uma senhora tranqüila, não acha?
- Mas é claro, achei uma história ótima!
- Fico feliz de ter lhe dado uma boa história... e sobre o que você veio fazer aqui, fique com uma declaração padrão - ela empostou a voz, como um locutor de rádio canastrão - Eu fiquei muito feliz com o prêmio, é uma prova de que a literatura brasileira continua viva e não fica a dever ao que vem sendo produzido no resto do mundo - e voltando à entonação maliciosa de quase toda a conversa - só reclamo que não tenha acontecido antes, se eu fosse mais nova, eu aproveitaria muito mais a fama, não acha?
Ele sorriu, satisfeito, e ela voltou a falar, ainda com malícia na voz.
- Que bom, fico feliz... mas agora você me daria licença? Uma certa pessoa vai vir aqui em casa hoje, para comemorarmos esse prêmio... e acho que ele não gostaria de ser visto comigo, nem eu com ele, não concorda?
O rapaz hesitou... ali poderia estar mais uma bomba, o complemento de uma história muito boa. Mas pensou melhor e apertando a mão da mulher à sua frente, despediu-se com um sorriso cúmplice.
- Realmente, até porque, a história vai ser muito mais instigante se ninguém souber quem é esse homem tão deliciosamente escondido, não é?

Illustrator e Photoshop, foto sxc.hu

10.2.09

A Fada e o besouro - Parte XIX


- Realmente não - ele riu, divertido - mas, vem cá... como é essa história? Vocês estão juntos ainda ou não?
- Uma perguntinha capciosa, meu jovem... - Ela sorriu, maliciosa - sim, e não. Nunca estivemos juntos, mas nunca estivemos separados também. Somos amigos, sempre fomos. Ele já se casou, eu também. Várias vezes. Mas somos amigos, enquanto casados, sempre nos encontramos como amigos - ela deu uma piscadela marota para ele - pelo menos na hora do encontro.
Riram os dois, achando graça na malícia dela. Ele estava se sentindo surpreendentemente à vontade na companhia dela. Resolveu arriscar mais uma.
- Mas... vocês ainda se vêem com freqüência?
- Sim, mas nunca fomos muito freqüentes, sabe? Às vezes é legal você saber que a outra parte existe e pode ser acionada a qualquer momento, a qualquer hora. Mas isso não quer dizer que você vai fazer uso dessa prerrogativa sempre, o tempo todo. Eu o procurei algumas vezes. Às vezes com carinho, às vezes com urgência. Ele também. Já apareceu aqui ou marcou encontros inusitados do nada. Mas também já tivemos nossos corpos próximos dias seguidos. E ficamos distantes fisicamente por meses também. Mas sempre soubemos que éramos amigos próximos, íntimos. Muito mais que todos poderiam supor... Mas isso foi uma escolha nossa... afinal, não acha que é muito bom termos algo em que podemos ter controle total de como as pessoas enxergam isso?


Photoshop, fotos sxc.hu

4.2.09

A Fada e o besouro - Parte VIII


- Deliciosamente irresponsável?
- Sim, ele é uma criança grande, um humor maravilhoso, uma enorme alegria de viver, assim como uma criança. Sabe quando a criança faz uma arte, aí você vai zangar com ela e ela te olha com uns olhinhos que querem dizer que não fizeram nada de errado? Você consegue continuar brigando? Eu não conseguia, e não consigo até hoje.
- Sim... isso acontece comigo também.
- Acontece com todo mundo! Todos somos assim. Olhos carinhosos sempre nos deixam desarmados! Venha cá... quero lhe mostrar uma coisa - Ela se levantou e foi até a escrivaninha, abriu uma gaveta e tirou um retrato.
Estendeu a fotografia para o rapaz. Nela, um homem de costas, com o cabelo e a camisa manchados de verde, pintava uma parede com a mesma cor. O rapaz olhou inquisidoramente para a senhora de braços cruzados à sua frente.
- Sim, é ele. Eu havia acabado de sair da casa de meus pais. Ia morar sozinha, uma tia tinha um quitinete minúsculo que acabara de vagar. O inquilino anterior tinha arrasado com o imóvel, mas eu aceitei ir morar lá em troca de reformar e manter o lugar. Ele se ofereceu para me ajudar, passamos um final de semana juntos lá, pintando, arrumando. Ele me ajudou a escolher as tintas, colocar milhões de prateleiras para os meus livros e a montar os móveis que eu tinha. Uma cama e um armário. Ele trouxe uma mesa dobrável toda enferrujada que ganhou num bar ali por perto, lixou e pintou a mesa de lilás com flores amarelas e brancas. Meu apartamentinho ficou lindo, lindo. Minha tia quase quis voltar a morar lá depois que viu como ficou. Tirei essa foto quando ele deixou o rolo de tinta cair na própria cabeça. Ele era extremamente estabanado, desajeitado. Era hilário fazer qualquer coisa dentro de casa com ele. Até hoje, quando sei que ele vem, dou um jeito de tirar os bibelôs do caminho.
- Hummm, ele continua vendo a senhora?
- Acha mesmo que alguém com nossa história pára de ver um ao outro?
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