19.12.09

Marlene

- Cachorro! Te dei casa, comida, roupa lavada e bicicreta!

Alguns dias depois, entre uma cachaça e outra, ele não soube dizer o que tinha doído mais. A acusação ou a bofetada que o jogou nos paralelepípedos. A mão o acertou embaixo da orelha esquerda. Mal teve tempo de se levantar antes que ela partisse novamente para cima dele, bufando e babando, os olhos injetados de sangue. Alguns populares que passavam por perto conseguiram, com muito custo, segurá-la e ele pôde sair correndo.

Marlene era uma loira grande, corpulenta, já quarentona, bem maior que ele, um mulatinho mirrado e raquítico. Ele fazia bicos como faxineiro em uma obra e ela trabalhava como cozinheira numa escola do bairro. Era um sábado e eles se conheceram num forró, ele de olho em toda mulher que passava e ela já meio tonta de cerveja. Terminaram juntos na cama da casa dela, um quarto e sala perto da saída da cidade. Três dias depois ele se mudava pra lá, melhor que morar de favor no depósito da obra. A mudança era pouca, apenas uma mala velha com um punhado de roupas.

No início tudo tinha sido muito bom. Era difícil o dia em que ele não a deixava arfando, descabelada, saciando as vontades daquela mulher. Mas os meses foram correndo e ela passou a ser mais mandona e possessiva e menos acessível às suas investidas noturnas. Não demorou muito e ele começou a arrumar jeito de se engraçar para outras. Continuava trabalhando como faxineiro e como ela mantinha a casa, o dinheiro dele passou a financiar o bicho, as cervejas e os presentinhos dados às mulheres com quem saía enquanto ela trabalhava no turno da noite. A única economia era o de uma centena premiada. Bendito jacaré.

Ele esperava que ela saísse, subia na bicicleta e ia para qualquer bar bem longe, se encontrar com as amigas, buscando dentro delas o que lhe faltava em casa. Tinha cuidado, porém, em voltar antes de Marlene, tomar um banho e esperá-la na porta, carinhoso e perfumado, com beijo e jantar na mesa. Mas naquele dia algo saiu errado, a diretora cancelou a aula por conta de um vazamento nas privadas do segundo andar que empesteou o prédio e ela foi embora mais cedo, flagrando-o no meio da rua, com uma mão apoiada no guidom da bicicleta e outra nos quadris de uma qualquer. Ela não pensou duas vezes e desceu-lhe a mão, encerrando o relacionamento à base de pescoção.

Ele virou a cachaça e quando o amigo perguntou se ele sentia falta de alguma coisa. Da mulher, da casa, de ter alguém em quem se encostar. Ele depôs o copo no balcão e, sentido, suspirou:

- Sinto falta é da bicicreta.

17.12.09

De amigos e copos

tivemos copos nas mesmas mesas
mesmos bares, assuntos comuns
afogados em mais de mil goles
a dor não te leva a lugar algum

no fim das confidências
eu saía trocando as pernas
e você flanando nas ruas
uma fada, embriagada, eterna

em qual esquina você sumiu?
na neblina do uísque e outros mais
às vezes um ou outro copo
a sua lembrança me traz

arremato o último gole
já não cambaleio como antes
sorrio, agora entendo tudo
você era fada, eu sou gigante