21.5.10

No ponto

Umas nove da noite, Central do Brasil. Esperando a condução, como todo santo dia. E, como todo santo dia, depois do trabalho, da reclamação de praxe do chefe, de conferir o poste e pedir uma lata no isopor, pra adoçar a boca e acalmar a cuca antes da volta pra casa, os dois conversavam. E o papo ia do futebol à crise no governo. E no meio, mulher. E passava uma mulatinha jeitosa e o papo era ela. E passava uma loirinha espevitada, e o papo era ela. Aí quando não passava nada, os dois começavam a reparar em quem, como eles, estava esperando o lotação.

Aí que os dois viram um casal parado no meio-fio. Ele na rua, ela na calçada. A diferença de altura era a do asfalto para o passeio, o que não era pouco, assinalou um. Aí o outro chamou a atenção para a moça em questão.

Nenhum dos dois era de ficar recusando prato, mas foram unânimes em desdenhar a figura. Pra começar, a tal usava um vestidinho que já seria de gosto duvidoso em uma mocinha com tudo em cima, e a referida, além de já ter passado há muito do 'mocinha', estava era com tudo para os lados e para baixo. Um deles, o mais falante, comentou que a moça era que nem acidente de carro com vítima, cê sabe que não é pra olhar, porque vai ficar impressionado e vai acabar tendo pesadelo com aquilo, mas o olho, que não obedece, vai lá e olha e cê fica com raiva de você mesmo. Realmente, ela era a visão panorâmica do inferno e tinha pedido pra ser feia no Vale do Eco. Mas o moço estava ali, atracado com ela, como se a feiosa fosse o último torresmo do boteco, no maior amor.

Ficaram impressionados como um cara, que era até bonitão, estava com uma mulher tão feia. Certamente, assinalou o falante, ele teria condição de arrumar coisa melhor, os dois mesmo, que eram bem menos agraciados que o moço, tinham mais sorte nas conquistas. Aí o mais calado resolveu abrir a boca, encerrando a discussão.

- Ora... vai ver ele perdeu uma aposta.