Ele entrou no vagão do metrô sem notá-la. Só quando uma senhora deixou cair uma revista e ele se abaixou para pegá-la é que pode vê-la.
Ela era morena e magra. Os cabelos eram compridos, escuros e grossos, deviam ir até o meio das costas, mas ela os prendera numa trança frouxa que caía pelo ombro esquerdo. Era uma mulher comum. devia ter entre 33 e 35 anos, a pele era clara, dessas morenas que pega cor nos primeiros raios de sol, mas que prefere a afago do ar condicionado e fatores de proteção acima de 50 ao invés de loções bronzeadoras. Ela tinha olhos escuros, castanhos ou negros, ele não pôde discernir bem, encimados por sombrancelhas cheias de curiosidade. Ela parecia tr os incisivos um pouco maiores que a estética comum acharia ideais, o que deixava sua boca de lábios finos eternamente entreaberta.
A frente fria que chegara á cidade no final de semana a fazia usar uma blusa vermelha de malha canelada até os punhos e a gola alta escondia um pescoço que ele julgava longilíneo e delicado. Ela tinha mãos magras e esguias, com unhas sem esmalte. Ficou reparandona elegância com que ela virava as páginas do livro apoiado nas calças pretas que ela vestia. Ela parecia ter pernas finas, pensou ele. Desde que fossem harmoniosas, tudo bem, ele não se incomodava.
Achou graça no próprio pensamento, mas sim, aquela era uma mulher com quem ele flertaria numa festa. Elegante, mas não blasé. Bonita, mas não exuberante. Ainda parecia ser culta, o livro em seu colo parecia ser bem grosso, as páginas amareladas deviam pertencer a algum dos clássicos idênticos aos que se amontoavam em sua mesa de cabeceira de homem recém-solteiro. Ficou pensando se a abordava ou não. Estavam se aproximando da última estação e ambos iriam ter de saltar. Será que ela aceitaria um convite para um café na livraria perto da estação? Ou seria melhor convidá-la para jantar? Ou mesmo ir ao cinema, a próxima sessão estava para começar, daria tempo com certeza!
Mas... e se ela estivesse indo se encontrar com alguém? Reparou novamente nas mãos dela, não havia marca de alianças, mas isso não indicava nada. ela poderia estar indo encontrar o namorado, o amante, qualquer coisa. Até mesmo a tia que ela combinara de encontrar para devolver o livro que lia. Será que ele conseguiria se recuperar de mais uma decepção? Não fazia um mês que a mulher se separara dele, saindo de casa após uma discussão imbecil sobre a conta de luz. Um nó na garganta apertava-lhe, sufocando-o.
O apito do metrô trouxe-o de volta a realidade. A composição desacelerava e as poucas pessoas dentro do vagão naquele sábado frio iam se levantando em direção à porta. Ela guardou o livro dentro da bolsa, e ele pôde ver o título "Cem anos de solidão". Era seu livro preferido, lera-o três vezes! Era um sinal dos céus! Estava tão embasbacado que mal conseguiu ir atrás dela quando ela saiu rumo às escadas rolantes. Trombou em alguns passageiros retardatários mas conseguiu alcançá-la antes que ela saísse à rua, tocando de leve no braço esquerdo dela.
Ela se virou e encarou-o nos olhos. Ela tinha olhos surpreendentemente plácidos, como se toda a calma do mundo estivesse ao lado dela. Ele tinha de se rápido, escolher a melhor frase, uma única frase que fizesse com que ela aceitasse continuar a conversar com ele e não achasse que ele era um maluco, um tarado, um potencial agressor. Ele tinha de mandar a frase certa, respirou fundo e disparou, ante os olhos calmos e incrédulos da moça de blusa vermelha:
- Eu queria te chamar para um café, para jantar ou para ir ao cinema, mas eu só consigo falar que sou apaixonado pelo livro que vi você ler...
5 comentários:
Um texto que não poderia ganhar um adjetivo diferente de genial.
abs,
marcelo
Rapaz, assim fico mal acostumado
Mas este texto está realmente brilhante. Inclusive, estou até pensando em usar essa tática na rua. Difícil é achar alguém lendo um livro que preste. rsrs
Cara, perfeito! Incrivelmente perfeito. Tempo perfeito, desenrolar perfeito, clímax perfeito.
Tá de parabéns!
valeu mesmo! q bom q cês gostaram
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