Uns grãos de arroz caíram sobre a toalha quando ele colocou as travessas na mesa. As mãos tremiam muito, mas conseguiu servir o casal sem derramar mais nada. Apesar do tremor, as quatro décadas de experiência fizeram com que cortasse o filé com maestria. O senhor gordo da mesa ao lado notou a eficiência do garçom, assim como a língua entre os dentes e as gotas de suor que a concentração provocou. Um grupo nos fundos do restaurante berrou um nome incompreensível e o homem que tremia se dirigiu até eles.
Era baixinho, careca e usava óculos de lentes grossas. Elas eram mais finas quando começou a trabalhar ali e foram engrossando com o tempo. Juntamente como as juntas de seus dedos e os joelhos, que agora o forçavam a tremer e andar arrastando os sapatos de couro preto. Era o garçom mais antigo do restaurante. Fora admitido logo após a inauguração. Passaram por ali vereadores, prefeitos, deputados, até um governador. Ele servira a todos. Eles vieram, tiraram fotografias e passaram. Ele continuava ali, em meio a outros muito mais jovens que ele. os antigos colegas estavam mortos, ou, em melhor hipótese, aposentados, entrevados em suas casas.
Ele continuava ali, resistindo ao tempo. Só não sabia até quando. Já estava aposentado, mas o benefício não dava, nunca dava. E ele continuava ali, no turno da noite de terça a sexta e de dia aos finais de semana e feriados. Arrastando os pés e tremendo ao servir os pratos de pessoas que o olhavam como uma peça de museu no lugar errado. Ficava ali nem sabia mais porque. O filho estava criado, a mulher, morta e enterrada. Até a amante havia partido.
O grupo pediu uma rodada de chopes, oito ao total. Ele arrastou-se até o balcão e anotou o pedido. O rapazinho da chopeira, que poderia ser seu neto, resmungou que era pra esperar, tinha de tirar outros nove primeiro. Ajeitou as lentes dos óculos e avaliou o salão. Todos rindo, comendo, satisfeitos. Copos e pratos cheios. Foi ao banheiro, aproveitando-se do tempo que os chopes iam demorar. Entrou num dos reservados e sem som ou saber porque, chorou sozinho, protegendo o rosto com as mãos trêmulas.
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