Ele se ajeitou na cadeira, quase que defensivamente e resolveu fazer a pergunta que o corroía por dentro desde que entrara naquela casa perfumada de jasmim e reminiscências.
- Mas... a senhora é considerada uma ativista, uma defensora de direitos, como é que vê...
Ela interrompeu-o, abruptamente, mas com doçura.
- Eu nunca pedi rótulos, querido. Uma vez me viram "casada" - ela mudou de tom ao citar o estado civil - e me rotularam. "Ela é isso!", aí escrevi um livro com algumas poesias de cunho erótico. Depois um romance cuja sexualidade da personagem principal era dúbio; Pronto! Os jornais estavam precisando daquilo naquele momento, alguém que levantasse uma bandeira. Com o perdão do trocadilho, me colocaram a contragosto um mastro na mão, e me fizeram desfraldar aquele pendão sem pedir minha opinião. Óbvio que me deslumbrei. Uma escritora jovem, de belas pernas, sendo entrevistada, os livros começando a vender muito por conta dessa exposição... achei que, para o bem de minha carreira não valeria a pena desmentir. Na época, esse amigo se divertiu muito com o fato, ele comentava, citando Fernando Pessoa: "Todo mundo achando que você é uma pessoa, e você aqui, comigo! Você é mais fingidora que o poeta!" - O fato de eu preferir algo não me faz ser uma ativista dessa causa. Por acaso você anda por aí com uma camiseta escrita "Eu gosto de brócolis e odeio alface"? Eu não! Eu não pedi para ser um "ícone", um referencial. Mas quiseram que eu fosse, no início foi divertido, depois até me chateei, só me perguntavam isso. Acabei ganhando fama de rabugenta uma época, depois tudo se acalmou. Existem as pessoas radicais, e se eu não fosse uma senhorinha, acho que elas me crucificariam ao saber do que te contei hoje. Vai escrever isso? Nada como uma pequena polêmica para tentar dar um pouco de emoção a uma senhora tranqüila, não acha?
- Mas é claro, achei uma história ótima!
- Fico feliz de ter lhe dado uma boa história... e sobre o que você veio fazer aqui, fique com uma declaração padrão - ela empostou a voz, como um locutor de rádio canastrão - Eu fiquei muito feliz com o prêmio, é uma prova de que a literatura brasileira continua viva e não fica a dever ao que vem sendo produzido no resto do mundo - e voltando à entonação maliciosa de quase toda a conversa - só reclamo que não tenha acontecido antes, se eu fosse mais nova, eu aproveitaria muito mais a fama, não acha?
Ele sorriu, satisfeito, e ela voltou a falar, ainda com malícia na voz.
- Que bom, fico feliz... mas agora você me daria licença? Uma certa pessoa vai vir aqui em casa hoje, para comemorarmos esse prêmio... e acho que ele não gostaria de ser visto comigo, nem eu com ele, não concorda?
O rapaz hesitou... ali poderia estar mais uma bomba, o complemento de uma história muito boa. Mas pensou melhor e apertando a mão da mulher à sua frente, despediu-se com um sorriso cúmplice.
- Realmente, até porque, a história vai ser muito mais instigante se ninguém souber quem é esse homem tão deliciosamente escondido, não é?
Illustrator e Photoshop, foto sxc.hu
4 comentários:
Um belo desfecho. Agora é esperar pelo próximo trabalho.
abraço,
marcelo
viu q não rolou nada entre eles... simples, né?
Pois é. mas que o jornalista estava com segundas intenções, ele estava. rsrs
Você q tem segundas, terceiras e um monte de outras intenções numeradas
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