5.1.10

Elocubrações

Ele havia dito que era só uma chuveirada. Para tirar o suor do corpo antes de irem ao aniversário de um amigo. Ela viera de casa, ele acabara de sair do trabalho, tinha esse direito. Ela ficou olhando o apartamento dele enquanto ele estava no banheiro. Um quitinete que era do tamanho senão menor do que o quarto dela. Ele morava sozinho, ela ainda vivia com os pais, casa em condomínio de luxo, com seguranças e circuito de TV. Ele vivia num prédio abarrotado de cubículos, um verdadeiro cortiço.

A mobília era espartana. Uma mesa com três cadeiras, uma geladeira. Sobre a bancada de pia que fazia as vezes de cozinha, um microondas. Um pequeno armário de fórmica e uma escrivaninha com um laptop por cima. Um sofá cama e uma prateleira com livros. Ela se aproximou para olhar. Livros velhos, ensebados, desses comprados em camelôs de rua. Bukowski, Garcia Marquez, Hemingway. Passou os dedos pelos títulos.

Sentou-se no sofá, era simples, mas confortável. Ficou imaginando o contraste entre eles. Ela era uma filhinha de papai, com dinheiro, influência e roupas de grife. Ele não tinha nada. Seu salário devia ser menor que a mesada dela, e ele ainda pagava aluguel e a faculdade. Mas ele tinha uma liberdade, uma independência que ela nem imaginava ter. Saber que tudo o que possuía era condicionado ao dinheiro dos pais e ter de dever responsabilidade a eles por isso a irritava. Ele não, ele não devia satisfações a ninguém. Podia, por exemplo, levar quem quisesse em casa sem avisar, e quando bem entendesse.

Quando pensou em quantas mulheres ele já teria levado ali, levantou-se num pulo do sofá, imaginando quantos fluidos haviam sido trocados naquele móvel onde ele dormia. E onde deviam ter dormido todas as suas conquistas. Recuou, num misto de nojo e ciúme. Ele era um cretino, nem duas semanas saindo juntos e já a levava ali, o antro em que ele havia deitado com tantas outras antes dela. Ficou vendo, angustiada, em quais cantos do minúsculo apartamento ela já teria possuído as namoradas anteriores.

Lembrou-se da loira da faculdade que passeava com ele pelos corredores da universidade, exibindo-o, ela deveria ter tido vários orgasmos naquele sofá infecto. E ele cantava no chuveiro. Cretino! Fazia aquilo só para esfregar em seu nariz as conquistas anteriores! E a mulata? Aquela que parecia passista de escola de samba, que era caso dele antes dela? Tinha certeza que ela fora dele sobre a mesa em que agora estava sua bolsa importada. Puxou-a da mesa e apertou-a contra o peito, como se a protegesse de um possível contágio.

Ele continuava cantando no chuveiro, alheio a seus pensamentos. Era realmente um canalha, fizera tudo de caso pensado, para despertar nela aqueles sentimentos, aquele ciúme. O que ele queria com aquilo? Lembrá-la de todas as mulheres que teve antes dela? Ele era um canalha, um pervertido, um sacana! Mas ela não ia deixar barato. Tirou o vestido pela cabeça e meteu a mão na maçaneta do banheiro. O safado havia deixado a porta aberta, era tudo um plano! Entrou no chuveiro ainda de calcinha, sutiã e sapatos caros, colando sua boca na dele antes que ele pudesse sequer perguntar o que ela queria. Ele podia ter tido as outras naquela casa, mas era dela o cheiro que iria ficar na pele dele quando saíssem!

Um comentário:

marcelo alves disse...

Sensacional!!! Rodriguiano

abs,